quinta-feira, 30 de junho de 2016

Unifica tua luz e sombra: eis a lição do irmão Lobo. Valter Barros Moura



Unifica tua luz e sombra: eis a lição do irmão Lobo. 
Valter Barros Moura 

 Existe uma história antiga dos índios Cherokee sobre o chefe de uma grande aldeia. Certo dia, o chefe decide que chegou a hora de ensinar ao seu neto favorito os fatos da vida. Leva-o para a floresta, o faz sentar-se sob uma velha árvore e explica: “Filho, há uma luta em curso dentro da mente e do coração de todo o ser humano que hoje está vivo. Apesar de eu ser um velho chefe tido como sábio, o líder do nosso povo, essa mesma luta acontece dentro de mim. Se não souberes que a batalha está em curso, ela te enlouquecerá. Nunca saberás em que direção ir. Na vida, umas vezes ganharás e depois, sem perceberes porquê, de repente sentirás perdido, confuso e receoso e podes perder tudo o que tanto te esforçaste por adquirir. Pensarás muitas vezes que estás a fazer o que está certo para depois descobrires que estavas a fazer as escolhas erradas. Se não compreenderes as forças do bem e do mal, a vida individual e a vida coletiva, o Verdadeiro Eu e o Falso Eu, viverás sempre uma vida de grande agitação”. 


“Há dois grandes lobos dentro de mim: um é branco e outro é negro”. O branco é bom, generoso e não faz mal. Vive em harmonia com tudo o que o rodeia e não se ofende quando não há intenção de ofender. O lobo bom, estabilizado e forte na compreensão de quem é e do que é capaz, só luta quando é acertado fazê-lo e quando tem de o fazer para se proteger a si ou à sua família e, mesmo assim, o fará da maneira correta. Cuida de todos os outros lobos da sua alcateia e nunca se desvia da sua natureza”. “E há também um lobo negro que vive dentro de mim”, e este lobo é muito diferente. É ruidoso, colérico, descontente, invejoso e tem medo. A mínima coisa provoca-lhe um acesso de raiva. Luta com toda a gente, o tempo todo, por razão nenhuma. Não consegue pensar claramente porque a sua ganância por mais atenção, a sua raiva e ódio são imensos. Mas é uma raiva impotente, filho, pois ela não muda nada. Arranja sarilhos onde quer que vá, por isso encontra-os facilmente. Não confia em ninguém, portanto, não tem amigos verdadeiros.” 

 O velho chefe senta-se em silêncio durante alguns minutos, deixando a história dos dois lobos penetrar na mente do seu jovem neto. Depois, inclina-se lentamente, olha o neto nos olhos e confessa: “Por vezes, é difícil viver com estes dois lobos dentro de mim, pois ambos lutam arduamente para dominar o meu espírito.” Atraído pelo relato daquela grande batalha interior do seu antepassado, o rapaz puxa pela tanga do avô e pergunta ansiosamente: “E qual dos lobos ganha, avô?” E com um sorriso conhecedor e uma voz forte e firme, o chefe diz: 

 “Ganham ambos, filho”. Se eu optar por alimentar apenas o lobo branco, o lobo negro estará em todas as esquinas à espera de ver se estou em desequilíbrio ou demasiado ocupado para prestar atenção a uma das minhas responsabilidades e atacará o lobo branco, causando muitos problemas a mim e à nossa tribo. Estará sempre zangado e a lutar por obter a atenção que tanto anseia. Mas, se eu der alguma atenção ao lobo negro porque compreendo a sua natureza, se o reconhecer como força poderosa que é e lhe fizer sentir que o respeito pela sua personalidade e o utilizar para me ajudar, se nós, enquanto tribo, alguma vez nos encontrarmos numa situação difícil, ele ficará feliz, o lobo branco ficará feliz e ganharão ambos. Todos nós ganhamos.” 

 Confuso, o rapaz pergunta: “Não percebo, avô. Como podem ganhar ambos os lobos?” E o chefe prossegue: “Sabes, filho, o lobo negro tem muitas qualidades importantes de que posso precisar, dependendo do que nos surge no caminho. É feroz, determinado e não cede em nenhum momento. É inteligente, esperto e capaz dos pensamentos e estratégias mais tortuosos, que são importantes em tempo de guerra. Tem muitos sentidos apurados e intensificados que só alguém que veja através dos olhos das trevas consegue apreciar. No meio de um ataque, ele pode ser o nosso maior aliado”. 

 O chefe tira então uns bifes frios da sua bolsa e coloca-os no chão, um à sua esquerda e outro à sua direita. Aponta para os bifes e diz: “Aqui à minha esquerda está a comida para o lobo branco e à direita a comida para o lobo negro. Eu os alimento numa linha cruzada, desta forma ambos estarão juntos e conviviverão em paz. “Se eu decidir alimentar ambos, eles deixarão de lutar pela minha atenção e eu poderei utilizar cada um deles conforme for necessário”. E, não havendo guerra entre eles, consigo ouvir a voz do meu conhecimento mais profundo e escolher qual deles pode me ajudar melhor em cada situação. Se a tua avó quiser comida para fazer uma refeição especial e eu não tiver cuidado disso como devia, posso pedir ao lobo branco que me empreste o seu encanto para consolar o lobo negro dela, que está com fome e zangado. O lobo branco sabe sempre o que dizer e vai ajudar-me a ser mais sensível às necessidades de sua avó. 

 Sabe filho, se você compreender que há duas forças principais que existem dentro de ti e manifestar o mesmo respeito por elas, ambas ganharão e haverá paz. Paz, meu filho, é a missão de um Cherokee – o propósito fundamental da vida. Um homem que tem paz no seu íntimo tem tudo. Um homem despedaçado pela guerra no seu íntimo não tem nada. Tu és um jovem e precisará escolher como vais interagir com essas duas forças antagônicas que vivem dentro de ti. O que você decidir determinará a qualidade de tua vida e teu futuro enquanto estiveres nessa terra. E, quando um dos lobos precisar de sua atenção especial, o que venha a acontecer, por vezes, não terás de ter vergonha: basta admití-lo perante a si e os mais velhos e obterás a ajuda naquilo de que necessitas. Depois de divulgado, outros que travaram a mesma batalha podem oferecer-te a sua sabedoria.” Isso explica a difícil situação da experiência humana. Cada um de nós está empenhado numa luta contínua em que as forças da luz e da sombra se digladiam pela nossa atenção e obediência. 

 “Tanto a luz como a sombra residem dentro de nós ao mesmo tempo”. A verdade é que há uma alcatéia inteira à solta dentro de nós – o lobo carinhoso, o lobo de bom coração, o lobo inteligente, o lobo sensível, o lobo forte, o lobo altruísta, o lobo sincero e o lobo criativo. Juntamente com estes aspectos positivos existe o lobo insatisfeito, o lobo ingrato, o lobo com direitos, o lobo maldoso, o lobo egoísta, o lobo vergonhoso, o lobo mentiroso e o lobo destrutivo. Todos os dias temos oportunidade de reconhecer todos estes lobos, todas estas partes de nós, e podemos escolher como vamos nos relacionar com cada uma delas. Faremos o nosso juízo e fingiremos que algumas não existem, ou assumiremos a propriedade da alcatéia toda? 

 “Por que será que sentimos a necessidade de negar a alcatéia que vive dentro de nós”? 

A resposta é simples. Ou pensamos que eles não existem ou que não deviam existir. Tememos que, se admitirmos todos os nossos “eus” diferentes e que ocupam o espaço da nossa psique, sejamos rotulados como esquisitos, diferentes, defeituosos ou psicológicamente fragmentados. Pensamos que devíamos ter em mente sermos boas pessoas, as tidas como “normais” e que são habitadas por uma só pessoa. Mas há muitos “eus” e a recusa de aceitarmos todos eles é um erro muito grave – o que nos levará a cometer atos estúpidos e imprudentes de auto-sabotagem. Eis a grande lição: O nosso “Eu” contém muitos “eus”. 

 Porque dentro de cada um de nós existem todas as qualidades possíveis. Não há nada que possamos ver, nem nada que possamos julgar que não seja nós próprios e a vida nos reflete. Somos todos a luz e a sombra, o santo e o pecador, o atraente e o desagradável. Somos todos bondosos e calorosos bem como frios e mesquinhos. Dentro de si e dentro de mim residem todas as qualidades conhecidas da humanidade. Embora possamos não ter consciência de todas as qualidades que possuímos, estão dormentes dentro de nós e podem revelar-se a qualquer momento, em qualquer lugar. Compreender isso nos permite perceber a razão pela qual todos nós, “pessoas boas”, somos capazes de fazer coisas tolas e más e, mais importante, a razão porque, por vezes, somos nós mesmos os nossos piores inimigos. 

Pense nisso.

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